Postagens

Senso comum - Renê Paulauskas

 O senso comum é mediano e implacável. Mediano, porque nunca é o aprofundado, sempre o mais imediato. Implacável, pois todos, usamos sem perceber ideias de senso comum, nem que seja para aprofundar uma questão ou outra. O senso comum está em todos nós. Numa ideia pré concebida, numa primeira impressão, e assim vai. Talvez tenha algo de primitivo, algo intuitivo. De todo modo, somos reféns dele. E talvez, entendendo seu poder, possamos ser menos oprimidos por pessoas sujeitas ao senso comum sem se darem conta.

Caminho das letras- Renê Paulauskas

 Caminho de pedras tem sido o desenvolvimento da minha nova arte. Não a do desenho, que teve início com os primeiros passos por meu pai, depois a escola de desenho e por último ter sido assistente de um grande cartunista. Já a nova arte, das letras e da composição, tem sido feita quase sem apoio, sem escola, sem mestres.  Não sei bem porque, mas tem sido mais difícil achar um caminho nessa nova arte. Tem sido muito solitário. Talvez só me caiba o assento de um amador nessa função de escritor e compositor.  Por enquanto luto. Pouco a pouco, sem gastar toda energia duma vez. Me exercitando. Mesmo sem mestres, escolas e colegas. Um caminho solitário, mas não sem inspiração.

Ideias em si- Renê Paulauskas

 Cada coisa traz pelo menos uma ideia em si. Por exemplo, uma criança traz a ideia de esperança por ter ainda muito tempo de vida pela frente. Existem também as ideias do inconsciente, as dos arquétipos e símbolos de nossa mente. E ainda a razão de como as coisas funcionam no seu ordenamento material, físico e prático. A loucura pode ser entendida como um encharcamento de ideias relacionadas a símbolos interiores, mais ideias egocêntricas e paranoides sem a estrutura racional que ordena o funcionamento das coisas. Dessa maneira é capaz de se fazer várias viagens ao interior psíquico e ter descobertas incríveis.  O problema, após essas experiências, e ter voltado para o mundo racional, é não conseguir encaixar mais as "viagens" no seu mundo regido por uma lógica mais materialista. Assim fica-se dividido entre dois mundos. O dos símbolos e da materialidade das coisas. Até conseguir encaixar, ou não, cada coisa em seu lugar.

Caixas- Renê Paulauskas

 Num planeta uma coisa chamada vida se desenvolveu por um sistema de reprodução e alimentação onde uns comiam os outros. Bilhões de anos após essa cadeia ter iniciado, uma forma de vida se destacou. Viviam agrupados aos milhões em pequenas caixas donde saiam para serem agrupados em tarefas ditas por outros em troca de crédito para comida, roupas e pagar os recursos das caixas de moradia. Esses seres tinham criações de outros seres só para se alimentarem. Assim como criavam uma enorme quantidade de produtos para gastarem com seus créditos. Quase não saiam de suas caixas fora dos dias em que faziam tarefas para os de caixas maiores, que também faziam tarefas para outros que viviam em caixas ainda maiores e que viviam de caixas gigantescas de onde vinham e eram fabricados os créditos. Se agrupavam em pequenos bandos de parentes consaguineos ou de pares em casal ou até mesmo sozinhos. As relações afetivo- sexuais desses seres tem início pelos símbolos sonoros desenvolvidos por um filamento

Castelo de Areia- Renê Paulauskas

 Ele chegava em casa, tirava a roupa e tomava um banho. Em seguida punha um pijama e chinelos. Sentava na poltrona da sala e ficava somente com as imagens dos objetos em volta, luzes e sombras e o barulho de sua respiração junto aos ruídos da vizinhança. Um pensamento ou outro passava pela sua cabeça, mas nada que o perturbasse. Nunca fizera yoga, nem curso de meditação. Achava ridículo alguém achar que, ficar olhando os objetos da sua sala sem muito o que pensar, fosse algo digno de elogios ou algo parecido.  Mas em outras horas era tragado por seus pensamentos onde sua aparência era de quem estava fora do ar. Ao mesmo tempo tinha uma mente limpa que era carregada por pensamentos complexos. Tinha muito tempo livre, e às vezes, não sabia o que fazer com o excesso de horas do dia. Pensava: "seria tão melhor se as pessoas trabalhassem menos e tivessem mais horas pra si". Para ele, inclusive.  Se sentia às vezes afastado do mundo. Como se tivesse numa redoma de vidro. Como se nã

Carnaval do Capeta- Renê Paulauskas

 O evangélico abstêmio sai de casa para ir à igreja. O ônibus muda o trajeto por conta dos bloquinhos de carnaval. Desce e vai a pé. Uma loira de mini saia o para no caminho dizendo "Gostei!" Passando a língua nos lábios e sorrindo. Ele segue seu caminho pensando "Isso é coisa do demônio". Para pra comprar água de um ambulante que diz "Só tem cerveja!". Segue em frente naquele calor do cão, pensa "Faltam só quinhentos metros" quando vê a rua de acesso fechada. O bloco de carnaval o atropela. Passam a mão na sua bunda. Despejam bebida em sua boca. Seus olhos arregalam. Solta um riso demoníaco e pega um latão, beija na boca dos transeuntes. É levado pela multidão. Furtam-lhe a carteira e o celular. Passa mal no caminho. Vomita. Furta uma vodka, sai correndo bebendo no caminho. Fica aceso como um capeta. Dá uma risada demoníaca que ecoa no carnaval.

Materialidade das Coisas (conto) - Renê Paulauskas

Começou a perceber que as coisas tinham uma materialidade além de seus pensamentos. Uma formiga minúscula apareceu em sua mão. E em vez de olha-lá com calma e atenção, a matou. Em seguida reapareceu e a matou de novo. Já tinha visto deuses africanos, o espírito do seu pai, não poderia refutar tais visões jamais. Mas duvidava que hoje em dia as teria. Assim teve medo de renunciar tais visões. Mas acreditar no invisível ficou cada vez mais distante. E ficava contente que fosse assim. Enfim tinha um mundo em seus pés. Poderia desbrava-lo mesmo estando na meia idade. II A única mulher que às vezes desejava conhecera ainda criança, bem antes de se tornar mulher. Seu desejo era não por seus tributos pessoais, apesar de se tornar uma mulher muito bonita. Mas sim por ter sido durante longo tempo ela a deseja-lo. Sua primeira namorada também a conseguiu assim. Depois de saber de seu interesse a procurou e começaram a namorar. Já a moça, tinha tido uma filha e se casado. Parecia que não havia mu

Acordado- Renê Paulauskas

 Lembro desde pequeno dos pregadores no varal e dos pregadores no chão, como se existisse um enigma a ser desvendado, se deveria ou não recolhe-los do chão e po-los no varal. Hoje penso menos nisso e minha resolução é por motivos mais práticos que abstratos. Me perdia horas em possíveis significados de sonhos. Fazia questão de lembrar das histórias como se fossem tão importantes como as acordadas. Mais novo ainda acreditava estar sonhando acordado. Duvidava da realidade como se tudo fosse um grande sonho impossível de se acordar. Hoje duvido muito dos meus sonhos, os interpreto como impulsos de descargas neurais enquanto o cérebro se reequilibra energeticamente. Acho que perdi um pouco meu lado mais da fantasia, mas me fez bem, eu era muito avoado.

Nosso Tempo - Renê Paulauskas

 Se pudéssemos nos afastar por um momento da nossa época para fazer uma análise de suas características, poderíamos dizer que nosso tempo é marcado por uma visão como se tivéssemos chegado no fim de todas suas possibilidades.  Como se tivéssemos chegado ao fim, da arte (como se todas possibilidades estivessem esgotadas), da vida (pelos eventos climáticos extremos), da sociedade (desinformação e fascismo). Assim o ser humano não vendo um futuro recorre a fuga, ora pela fantasia, ora desinformação (em formato de informação) deixando de lado o que seriam as coisas do mundo de fato gerando uma sociedade cada vez mais alienada e individualista dominada por quem controla o capital, a política e a informação. Numa zona cinza onde o capitalismo gera impacto ambiental e o mundo busca alternativas para não elevar ainda mais o clima extremo, a política se divide entre a consciência pela ciência e a barbárie pelo fascismo neo liberal. Como sairemos desse período negro, não sabemos. Talvez precise

Saúde Mental - Renê Paulauskas

 Lá fora o mundo gira sobre forças materiais, leis da física, relações sociais, política, economia etc. No mundo interno o funcionamento das coisas tem haver com mundo mágico, afetos, crencas, superstições etc. É um mundo externo funcionando a todo vapor por pessoas movidas internamente por questões subjetivas às vezes só discutidas em análise. Saber equilibrar esses dois mundos é o sentido que carrego há anos, sabendo do perigo de um mundo engolir o outro, seja através do material, pelo excesso de trabalho. Ou pelo espiritual, gerando a loucura. Os dois efeitos colaterais se manifestam na falta de saúde mental. Que para estar equilibrada requer equilíbrio entre os dois mundos. Os remédios ajudam, análise faz parte, mas se o mundo interno não está funcionando bem de modo saudável, certamente não funcionará também na vida social. Do mesmo modo o excesso de trabalho pode deflagrar diversos transtornos mentais, que depois viram entraves para continuar a trabalhar. Pelo menos na mesma funç

Loucuras juvenis- Renê Paulauskas

 Nós pedíamos moedas para minha mãe para beber um litrão no bar mais barato do bairro. Éramos felizes com quase nada. Nos bastava os amigos, as amigas, como ela e a juventude.  Ela era sete anos mais velha do que eu, mas se sentia uma velha ao meu lado. Nos conhecemos por intermédio de uma outra amiga, maluca e ninfomaníaca, por quem eu estava interessado. Nos conhecemos no bar porão Lá Pe Jú perto da rua Augusta. Beijei ela na frente da ninfo pra fazer ciúmes. Perguntei "pra minha casa ou pra sua?". Ela falou que morava com o marido, mas estavam separados, foi aí que o caldo entornou. Meses depois estávamos os três: eu, ela e o marido como melhores amigos, comendo, bebendo, escrevendo, fazendo arte, os três. Mais tarde ainda descobri que ela falava pro marido que nós dois éramos somente bons amigos. E falava pra mim que estava separada quando não estavam. Ela estava apaixonada e eu só queria diversão. Um dia saímos eu, a ninfo, um amigo escritor e ela. Fomos num bar na Augus

Vinil (conto) - Renê Paulauskas

 Vinil era um jovem inteligente que adorava contar suas histórias de ter prestado o Exército no fim dos anos noventa.  Seus amigos o adoravam e contavam que adolescente ele escalava o prédio em que morava na avenida Pompéia até seu apartamento no quinto andar. O conheci na escola de desenho por um amigo em comum. Conversamos rapidamente mas logo me convidou pra sair junto com sua amiga. Fomos numa Have no Bexiga. Passei meio mal e disse a ele que estava indo embora. Ele disse: __Vai com meu carro! __ Eu não sei dirigir. __ E rimos. II Vinil começou a me visitar em casa. Eu contava os sonhos que tinha tido com riqueza de detalhes. Ele falava das viagens que tinha tido com ácido. Até que depois de um tempo ele começou a falar umas coisas sem sentido. E começou a piorar. Eu não sabia bem o que estava passando com ele e preferi me afastar. III Longos anos se passaram até que o reencontrei, quando já estava terminando a faculdade. Trocamos telefones e marcamos de nos encontrar. Fiquei saben

O Homem do Lixo (conto) - Renê Paulauskas

 Ele pensava: Era gelado ou muito quente. Era dormente mas sem dormir direito. Era a fome constante e os restos na lixeira. Eram dores e confusão mental. Era ser invisível. Era ser odiado. Era o inverso da vida que tenho hoje. "Hoje sou reciclador de lixo remunerado. Tenho meu barraco. Tenho minhas coisinhas. Gosto do meu trabalho. É trabalho duro, mas como dizem lá no curso, tô ajudando a melhorar o mundo. Mulher e filhos não tenho. Sonho ainda em ter uma família. Não como aquela, de pai batendo na gente. Gente tem que ser respeitada, isso não se faz. Também não sou santo. Mexeu com meu cachorro viro bicho! Também tem que ter respeito com os animais. Aqui no morro tô até plantando uma hortinha. Vou trazendo da rua e planto tudo nesses vasos de plástico. Tá ficando bonito, não? Outro dia sonhei com minha mãe, faz mais de vinte anos que não a vejo. Desde que saí do interior até chegar aqui. Cidade grande, no começo era tudo novidade. Mas não tive onde ficar, logo fui me sujeitando.

Ele- Renê Paulauskas

 Ele andava hora olhando pro chão, hora pro céu, e achava graça nas pombas e seu jeito mímico de andar. Era tímido, guardava o mundo pra si. Falava pouco, era um bom ouvinte, mas ficava irritado com pessoas que falavam demais. Mesmo assim, tinha com seus poucos amigos, uma grande dedicação. Com um amigo, conheceu uma garota. Ela era punk. Se encontraram algumas vezes até começarem a namorar. Ele dava vazão a um espírito novo de aventura onde iam. Ela era baixista e quando não estavam em shows estavam namorando em lugares proibidos. Foi ficando corajoso, mas ainda com traços de timidez.  Passaram um ano entre viagens, shows e sem esperar, ficaram grávidos. Para ele foi de longe o dia mais feliz de sua vida, para ela, nem tanto. Mesmo assim juntaram as trouxas e foram morar juntos.  O bebê nasceu, ou melhor, a bebê. E o casal começou a dar sinal de suas primeiras falhas. Ciúmes excessivo por parte dela e perderam a casa onde moravam. Já em outra casa, ele cuidava de tudo. Acordava bem ce

Vida- Renê Paulauskas

 Hoje senti uma coisa que a muito tempo não balbuciava: "Tá valendo a pena viver a vida!". A filhota estudando, a irmã trabalhando, eu desenhando... Mãe e avó se dando bem... Até a tia virou advogada...  Os amigos também. Os melhores outsaiders do planeta. Gente talentosa, que faz as coisas com amor. Seja na economia solidária, na sociologia, nas artes, no meio ambiente ou na aldeia. Hoje consigo enxergar um novo mundo, porque ele está dentro de mim. Tarefa nossa continuar germinando e adubando esse solo. Pra que nasçam novos frutos para o jardim.  Até o governo está reconstruindo o Brasil, mais um motivo pra ficar otimista. Tudo na direção certa. Quem sabe esse povo não volte a ser o povo mais feliz do mundo...  Quem sabe as guerras cessem... A gente consiga controlar o super aquecimento global... Diminuam as desigualdades... Não exista mais fome... São sonhos, que não existem sem utopias, algo que valha por que lutar. Sem isso, sem isso, nada vale a pena. Pouco vale estar v

Fim?- Renê Paulauskas

 O mundo trocou o afeto por curtidas. As pessoas agem como se só elas existissem, pouco importa o outro, lembrem de mim.  Criamos uma sociedade de psicopatas mimados. Ninguém mais quer um mundo melhor, não se for depender do meu sacrifício. Em troca, todos querem sucesso individual. Como isso pode dar certo?! As redes sociais deixaram o planeta solitário e despreparado. Jovens hoje não sabem o valor de uma amizade, preferem se comunicar com suas redes, formadas por gente tão solitária e despreparada pra viver no mundo como eles próprios. Mas já tá todo mundo viciado, o estrago já tá feito. Posso estar sendo pessimista demais, mas acho que acabamos de entrar no fim da humanidade, pelo menos se tivermos como referência o que ela já foi.

Bolhas- Renê Paulauskas

 Bolhas. Bolhas que não abrem, bolhas. Pela qual se protege. Bolha, como a bolsa uterina onde podes sonhar. Pra que não sintas a acidez do mundo de fora. Te protege em teu casulo eterno, pouco importando se vais ou não um dia voar. Te esconde com só seus deletos, pra caminhar nesta bolha, eterna bolha.

Calangos- Renê Paulauskas

 Neste dia de finados, rememoro dois dos maiores deste ColetivoCalangos, meu grande amigo, Vinícius Sila e meu pai, Faifi. Que estejam bem, onde estiverem. Saúdo-os. Vivam, Calangos!

Algo- Renê Paulauskas

 Sim, existe algo de espiritual nas coisas. Algo que dá sentido e norteia o caminhar das coisas. Que é tão visível para uns como invisível para outros. Algo que se pode sentir mas não provar sua existência. Algo metafísico para uns, irreal para outros. Algo, até já explicado pela psicologia ou sugerido pela etologia, algo que faz sentido. Algo só alcançado por aqueles que depois de alcançar, são chamados de loucos. Mas é algo tão forte que ao chegar perto, desnortea. Faz como insetos que ao tocar sucessivas vezes a lâmpada incandescente ficam queimados. Passamos a tomar remédios psiquiátricos para controlar os impulsos latentes, tão fortes, depois de um surto. Surtos esses que são capazes de destruir a mente de uma pessoa em poucos anos. Então nos resignamos e por não sermos tão fortes para abarcar a luz, preferirmos ter uma vida normal. Há muitas coisas inexplicáveis neste mundo. Há quem tenha visto tais coisas e sem poder prová-las, segue agnóstico. Há quem seja agnóstico sem nada ac

Produto - Renê Paulauskas

 Economicamente falando o trabalho pago precisa atender ou beneficiar a um certo número de pessoas. O lucro obtido pode ser dividido de forma igualitária por uma cooperativa ou beneficiar os donos de uma empresa particular em detrimento dos salários dos seus funcionários. Quanto maior o alcance do produto, maior o lucro, desde que o produto gere lucro. Caso não gere lucro, pode ser entendido como um trabalho para atender ou beneficiar a sociedade, meio ambiente ou até a cultura, mas que precisa de um financiamento. Esse financiamento pode ser particular, vir do Estado, do comércio etc. Quando o produto abrange uma quantidade de pessoas tão grande quanto as pessoas de um Estado ou um país, esse produto, junto a sua empresa passa a ter um impacto sobre a sociedade às vezes maior que o próprio Estado em tais produtos. É nesse estágio que às vezes o produto deixa de, simplesmente, atender ou beneficiar a sociedade, e passa a ter uma política de controle e domínio através do marketing, da m

Trincheiras (crônica)- Renê Paulauskas

 Me disseram que esse é o fim. Eu disse pra mim, tudo tem um fim e um novo começo. Agora os ânimos estão exaltados por causa da guerra, a nova guerra. Todos procuram um lado atrás de suas trincheiras e não pensam em mais nada. Mas a verdade é que somos todos de carne e osso, o que dói em mim, dói em você também. Nesse momento extremo, só a empatia nos salvará. Parece até que as guerras vem para nos testar. Se vamos por ela ou queremos a paz. Eu, estou sempre contra corrente, em tempos de guerra sou pela paz, em tempos muito tranquilos, sou agitado. Assim domo o mundo em pequenas colheradas, caso contrário, ele me engoleria por inteiro. Nunca esqueço de uma das minhas respostas para prova de sociologia no colégio. A pergunta era, mais ou menos, "Como funciona a sociedade?". Escrevi: "Somos formados por ela e ao mesmo tempo livres para muda-la". Lembro que o professor a usou como resposta padrão para correção da prova, provavelmente para me estimular. O mundo às vezes

Não (micro-conto) - Renê Paulauskas

 O homem, já de meia idade, por dizer tanto sim, um dia, regogitou um não. Simplesmente saiu de sua boca. Primeiro sentiu uma ardência na garganta, que um não é sempre corrosivo, mas depois se sentiu mais leve. De tanto sim tinha parado em cada cilada, que deus nos acuda. Lugares desagradáveis com gente desagradável. Depois se arrependia, se recompunha, passava um tempo, e voltava a dizer sim. Mas dessa vez saiu um não. Ficou mais tranquilo, mais caseiro. E deixou o sim só para quando era sim de fato.

Ponto - Renê Paulauskas

 O Ponto de Economia Solidária do Butantã, conheci através de uma amiga, a Riso. A princípio ofereci minha ajuda como ilustrador, mas foi muito mais do que isso. Tive apoio das pessoas ligadas à casa logo de início para ensaiarem uma peça que tinha recém escrito sobre o assunto da loucura. Participei de vários saraus que tinham no começo. Lá conheci a Mariana e o Keith, que conheceram minhas músicas e sempre me deram muito apoio como compositor. Para mim o Ponto é uma rede que faz um trabalho de reinserção social através do trabalho, afeto e cultura, mas também é uma rede de amigos que se apoiam por imaginarem um mundo melhor. Muito mais do que apoiador sempre tive muito apoio das pessoas desse espaço. Hoje, mais do que tudo, tamo junto! Viva o Ponto, isso é só o começo!

Janela- Renê Paulauskas

 Um passarinho me contou como é importante voar. Viver no chão por muito tempo acaba nos fazendo tropeçar. Às vezes em correntes que nos levam pro subsolo. Escolher novos trajetos, se inspirar, tiram o peso do dia. Nos deixam mais leve.

Remédio - Renê Paulauskas

 Desde que descobri que tenho transtorno bipolar sou dependente de dois remédios diários, o carbonato de lítio, pra regular o humor, e o resperidona, pra controlar e evitar os surtos. Posso dizer que me adaptei muito bem a esses remédios, nem todos tem essa sorte. Muitos tem grandes efeitos colaterais, outros, efeitos ineficazes para suas doenças. Cada caso deve ser medido e dosado segundo o próprio usuário. Desconfio da corrente que prega o fim do uso de medicamentos psiquiátricos em doentes mentais. Como não apoio um tratamento somente baseado no uso de tais medicamentos. A arte é, sem dúvida, é um ótimo processo de catarse que também deve ser vinculado ao tratamento de saúde mental. Basta ver os filmes de Leon Hirzsman sobre o tratamento dos pacientes da Nise da Silveira para constatar suas melhoras através das artes plásticas.  O lado afetivo e social é outro pilar que deve ser prioridade no tratamento de nós doentes mentais e que é esquecido pelo tratamento psiquiátrico. Também pe

Humanidades- Renê Paulauskas

 Fui dormir, acordei normal. Querendo sucesso, não muito, o suficiente pra viajar a América Latina e poder ajudar com a faculdade da minha filha. Mas não sou normal, nem posso exigir que meus amigos e familiares o sejam. Como acordar me sentindo normal e defender o contrário?  Cada um tem um jeito de ser, com todas suas qualidades e defeitos. Cabe a cada um respeitar as diferenças para viver em harmonia. Mas lá fora, no mundo normal, exigem tudo de você, um verdadeiro moedor de carne, pouco importando se você tem ou não problemas. Precisamos resistir para não adoecer. Os que adoecem, às vezes acordam com diagnósticos pouco favoráveis. Esquizofrenia, bipolaridade, depressão, toc, a lista é longa. Mas mais do que normais, ou não, somos humanos.

Enigma- Renê Paulauskas

 Serei eu um títere desse mundo? Mas como me desvincilhar daquilo que meus olhos vêem, apenas nas certezas traiçoeiras da mente, que martela coisas impronunciaveis? Tenho mais dúvidas do que certezas, mas desliso por um fio que assegura o caminhar dos meus pés. Senão, o desatino me arrastaria tão profundo como um precipício. Trago minha sentença como um trabalho de detetive, sem ter certeza de decifrar o enigma.

Faísca - Renê Paulauskas

 Ah, suicidas! Não querem morrer, querem outra vida. Mais intensa, mais viva. Talvez uma sem as limitações da gravidade, da fome, da dor. Uma vida como uma faísca em chamas. Enquanto essa vida não vem, se arrastam os suicidas em suas cadeiras, se escondem em camas malditas, sonham outros mundos afora. Maldito não é o suicida, é a vida, esse inhame insonso que governa o dia a dia dos mortais. Essa engrenagem imensa e massiva que gira tão lenta a nos matar em câmera lenta. Mas herói não é o suicida. Um covarde, um fujão, ao menos que não seja um suicida altruísta. Esse sim é herói. Se sacrifica por algo maior. Tem em mente um mundo inteiro, além de seus pés. O suicida clássico não tem essa paciência. Sem que já perceba, já se matou.

Ventos- Renê Paulauskas

 Memórias são como ventos em nossa direção. Cheiros, tons, raivas e risos, nos perdendo em segundos. Nos perdendo, não, nos achando. Perdemos, sim, tempo em querer mudar o passado. Esse tempo eternizado em nossas mentes. Só nos resta andar, caminhar, seguir novos rumos, se deixar levar. Mesmo que isso pareça piegas como uma sessão da tarde. Se vierem ventos que te deixe tenso, não esqueça de respirar, eu sempre esqueço.

Seres- Renê Paulauskas

 Tu não me entende, porque há muitas coisas acima de sua compreensão, que são presas por fios tão finos, que jamais conseguirá enxergar. Segue o teu caminho tranquilo, não perde tempo, nem com as pedras, nem com o céu. Uma vez me disse da dificuldade de entender metáforas, risos, esquece este texto também. Tateia com sua razão o que restou do mundo. Ri, bebe e sonha os teus segredos. Nada mais importa, somos seres mortais.

Loucura.doc- Renê Paulauskas

 Hoje fui tomar banho, e fazendo a barba, nem me cortei. Limpei a espuma do sabão e vi o resquício de uma cicatriz antiga no pescoço, coisas de juventude em tempos difíceis, onde a mente estava dominada por seres sem íris, um verdadeiro inferno na Terra.  Hoje estou pleno, porque posso falar sobre a loucura, sem estar louco. E isso reforça minha arte, como se fosse um caminho seguido, sentido, e hoje entendido, o suficiente para escrever sobre ele. Muito antes de surtar, quando criança, a loucura já captava minha atenção. Lembro de com uns sete anos ver uma exposição completa das obras de Arthur Bispo do Rosário, nada antes me tocara daquela maneira. Suas obras como reinvenção do mundo a partir de seus surtos, só mais tarde fui entender, mas a imponência de sua obra, me deixou embasbacado. Adolescente conheci os vídeos do Leon Hirzsman, Imagens do Inconsciente, sobre o tratamento através da pintura dos pacientes psiquiátricos da Nise da Silveira. Nesses vídeos mostrava como o tratament

Eu vi!- Renê Paulauskas

 Eu vi! Eram luzes se avolumando e dispersando, sempre do mesmo ponto, crescendo e dispersando. Era criatividade ali expressa em imagem. Donde surgem as coisas, a vida. Eu vi, num quarto escuro, onde os outros não enxergavam nada! Onde surgia minha vida, tão rota e abandonada. Na noite escura, sem lua, sem nada. Eu vi donde surge a vida, espessa, compacta. Vi na noite mal dormida, de vida cansada. Essa que cria, enquanto pensa, outra vida pra nos alimentar.

Buraco Negro- Renê Paulauskas

 Então seria assim: Nosso universo uma consequência de um buraco negro em um outro universo. Toda energia do Big Bang seria a entrada de tudo por esse princípio. Estamos dentro de um buraco negro. Só há saídas por outros buracos negros, onde, certamente seríamos tragados antes de ver o outro lado. Não somos os primeiros, muito menos os últimos. Estamos na estrutura do multi verso. Universos maiores, universos menores. Entradas e saídas por todos os lados. Estamos num favo de uma colmeia maior. Esse pensamento deve ser uma das contribuições do século XXI. Primeiro o homem se separou da natureza e criou Deus à sua imagem e semelhança. Se imaginava o centro de tudo, chegando a imaginar o sol girando em torno da Terra. Galileu e outros físicos chegaram a ser mortos defendendo que a Terra é que girava em volta do sol. Descartes ajudou a fundar a ciência quando duvidou de tudo, só podendo confiar que seria ele, alguma coisa que pensa. Tirando dessa base seu posterior método científico. Mas o

Espelhos- Renê Paulauskas

 Este ano de 2023 a filhota está com 22 anos, estudando no cursinho e trabalhando no mercado. Minha irmã está com 33 anos, trabalhando bastante com produção teatral e fazendo alguns bicos como atriz. Eu estou com 44 anos, na maior parte do tempo em casa, ajudando com as tarefas, escrevendo, desenhando e compondo. Mamãe está com 66 anos, cuidando da casa e atrás de sua aposentadoria. O que todas essas idades espelhadas querem dizer, eu não sei, mas achei importante aqui registrar. Justamente as idades das Laras, metade minha e da minha mãe. Talvez daqui se desfaçam as coicidencias, cada um tome um rumo. Eu por mim, e sinto ligeira satisfação, por ter contribuído para vida da minha filha, ainda mais sabendo que está bem.

Trabalho- Renê Paulauskas

 Hoje estou em casa. Um bom domingo para descansar. Amanhã não trabalho, o mundo também não deveria trabalhar. Ou apenas poucas horas, mais tempo livre do que trabalho. Quando tinha dezessete anos trabalhava como assistente de um cartunista de que eu era fã. Mal via a hora de chegar segunda feira para aprender coisas do ofício. Era muito bom, aprendi muito. Trabalhar deveria ser isso, ou quase não trabalhar. Depois de adulto, após passar quinze anos fazendo caricaturas, e hoje, estando dez anos quase parado, não tenho muitas ilusões em relação ao trabalho. Tentei algumas vezes entrar no meio editorial como ilustrador, e percebo, é um meio muito fechado, onde as relações sociais falam mais alto que o talento muitas vezes. Meu pai era ilustrador. Se tornou por ter contatos que o indicaram para o serviço, mas tinha muito talento também. Eu o ajudei a ilustrar vários livros, antes e depois de ser assistente do cartunista Spacca. Meu pai falava pra mim: "Você tem que tomar um café com

Surto, delírios e confusões- Renê Paulauskas

 Às vezes parece que o mundo sabe mais de mim do que eu dele. E me sinto num labirinto sem saída.  As horas atropelam os que estão aqui com a força e precisão das máquinas. A gravidade faz pressão sobre as peles frágeis. Corpos sedentos tentam se livrar do encadeamento de funções pré programadas. A máquina pensa: Sou eu ou é você?

Artista- Renê Paulauskas

 O grande erro sempre é tentar mostrar um cubo para quem enxerga em duas dimensões. Eu gosto de compor letras com melodia, normalmente só acompanhadas de uma batida para dar o ritmo. As gravo como registro apenas, mas consigo imaginar em outras vozes, com instrumentos, assim e assado. A maioria das pessoas, tirando os músicos, não consegue. Do mesmo modo já mostrei a peça que escrevi em 2015, sobre loucura, e, tirando os loucos, pouca gente entendeu. Teve até gente que disse que não lia peças, apenas ia ao teatro. Com relação aos meus desenhos, fico mais tranquilo, é onde me sinto mais seguro, inclusive para mandar naquele lugar quando fazem alguma crítica. Fico pensando o mal que o grande zoologo e compositor paulistano Paulo Vanzolini passou ao tentar mostrar suas músicas cantando e tocando mal. Fico pensando ainda como seria ruim, para todos nós, caso não insistisse às tornando conhecidas.  Outro lado perverso é a auto crítica. Só de pensar que o celebre Kafka, pediu a um amigo para

Invisível (ensaio) - Renê Paulauskas

 Do mesmo modo que quatro lados iguais formam um quadrado e um cubo é formado por seis quadrados, não se pode dizer que um quadrado e um cubo são a mesma coisa. O discurso passa pelo mesmo processo. Não se deve interpretar um discurso por apenas um trecho. O grande problema das redes sociais é que são definidas não por seus usuários, mas sob um número definido de discursos que pensam pela maioria. Dessa forma o usuário comum é vítima, sem se dar conta, perdendo sua identidade pessoal em troca de uma que já vem pronta, bem acabada e efetiva. Relacionamentos são desfeitos, brigas iniciadas, tudo ministrado apartir da ordem egemonica dos discursos polarizados. Que guiam a massa ignara, dessa vez, se achando dona da razão. O cancelamento social se dá pela mesma maneira. Quando passamos a ser integrantes de narrativas prontas só para nos sentirmos fazendo parte de algo correto? Essa polarização via redes sociais foi implantada no Brasil nas eleições de 2018 depois ter eleito o presidente Tr

Minha irmã e as palavras - Renê Paulauskas

Minha irmã mais nova começou a falar muito cedo. Com ainda um ano, no colo de nossa mãe, disse: A lua não parece um queijo? Já maior, na pré escola, a vi conversando com uma colega de um jeito tão complexo para uma criança de quatro, cinco anos, que fiquei meio assustado. No ginásio defendia os colegas injustiçados, nessa época nossa mãe imaginava que ela seria diplomata. Quando entrei na faculdade, era ela, do ginásio, que fazia a correção ortográfica dos meus trabalhos.  Mas por desvio do destino, fui eu que, por prazer, mais acabei exercitando a escrita na nossa família. Não que não acredite no potencial da minha irmã, mas acho que talvez, por ela ter tido o domínio tão cedo, seja pra ela, menos mágico do que é pra mim. Talvez, do mesmo modo, fez-se o destino meu pai ilustrador e eu, que começara tão cedo a desenhar, encontrasse nas palavras e nos sons um modo particular para me expressar. A arte tem mais a ver com a vontade do que com a técnica funcional. E sobre minha irmã, ela vi

Ideia- Renê Paulauskas

 Ele tivera uma ideia genial, será que era genial mesmo? O problema é que não tinha pra quem contar. Sua imaginação criara um utensílio erótico que faria mulheres e homens terem orgasmo juntos, uma invenção revolucionária, em vista que a maioria das mulheres não gozam na relação. Morava com sua mãe evangélica, afastado da sua ex mulher e filha há quase duas décadas. Estava na meia idade, a maioria dos seus amigos, também. Sexo era uma coisa que ainda povoava sua mente, mas relação com mulheres já não tinha há alguns anos. Pensou em registrar a patente de sua invenção, mas caso alguém ficasse interessado em produzi-lo, poderia ficar anos até que fosse descoberto como algo realmente útil. E teria que pagar anualmente e estava duro.  Antes de tudo precisava fazer um protótipo e ter a comprovação de algum casal. Um não, muitos casais. Então foi brochando, brochando... Até esquecer a ideia, ligar o computador e assistir a mais um filme pornô.  

Flores- Renê Paulauskas

 Percebi que aquele tipo de gente não tinha nada a ver comigo. A ninfomaníaca que reparava mais no tipo de cueca do que na relação, a colega que se recusava a entrar na minha casa por medo da goteira na entrada, e mais do mesmo. Vi que fui amado, por outras dezenas de vezes, que nem sempre soube aproveitar. Que hoje tenho mais preguiça do que antes, menos anseio, mas que ainda estou vivo. Que as amizades são mais importantes, pelo menos pra mim. Que não suporto ser cobrado, mesmo que tenham razão. Que já fui indelicado muitas vezes, mas sempre preso pela delicadeza. Ainda vejo flores onde quase ninguém vê, isso me distrai.

A fada (conto) - Renê Paulauskas

 É domingo. O último raio de sol desaparece do horizonte como se fosse a última luz antes de segunda feira. Mais um dia de trabalho forçado naquela empresa de tele marketing. Até quarta feira, trabalho pesado sem muito pensar. Quinta começa a se animar. Sexta explode! Bebe todas, fica com gente que nunca viu na vida, só pra se sentir mais vivo. Sábado está de ressaca, mas dá uma volta pela cidade, não muito longe, o dinheiro tá curto e já gastou quase tudo da semana no dia anterior. Domingo liga a TV, e  fica lá, esperando mais um domingo passar entre os programas que já sabe de cor.       Até uma fada bater em sua janela. Achou que fosse um inseto, quando olhou pro chão, lá estava, desorientada pelo impacto. A achou estranha, mais cinzenta do que poderia imaginar, mas ainda sim, tinha asas e um pequeno corpo humano, se é que poderia chama-la assim. Mas logo fugiu do quintal. Na segunda, quando chegou no trabalho, do click do ponto ao primeiro bom dia sentiu os sons ecoando em harmonia

No teatro (micro-conto) - Renê Paulauskas

 Primeiro veio ela passando por cima de mim entre as cadeiras e sentou do meu lado. Eu disse que o lugar estava reservado para meu marido, ela sorriu e pulou um lugar. Em seguida veio ele, lá dá ponta, se espremendo entre a plateia até chegar em mim e dar um beijo em mim e nela. Não entendi nada! Quem era aquela garota, trinta anos mais jovem que a gente? De cabelo tingido de loiro, magra, mas jovem, do lado do meu marido... Tentei disfarçar o meu nervosismo e logo ele foi chamado pra receber o premio. Durante o discurso fiquei pensando na moça, até me concentrar na parte em que ele dizia como lutamos juntos contra a ditadura no Uruguai, dali em diante, esqueci totalmente a garota, as cadeiras e estava com ele novamente naqueles dias de juventude contra os militares, nos escondendo em aparelhos que todo momento mudavam de lugar. Em como, com toda perseguição fomos felizes lutando por algo que realmente acreditávamos. Ele voltou sorrindo do palco, eu olhei nos olhos dele cheios de lágri

O mal da humanidade - Renê Paulauskas

 O colonialismo do século XIX e XX fizeram eclodir a primeira e consequentemente a segunda guerra mundial. Nesse processo estão envolvidas as nações mais ricas que enriqueceram explorando países da África, Ásia e América Latina. O capitalismo parece ser o grande mal da humanidade, pois impossibilita a distribuição de riqueza, pelo contrário, acumula em uma fração irrisória que mantém todo poder sobre o planeta. Políticas de Estado de bem estar social e redistribuição de renda como taxar as grandes fortunas são essenciais para tentar minimizar as grandes desigualdades criadas por esse sistema.  Estudos demonstram que o excesso de dinheiro faz mal, enquanto a maior parte do mundo neo colonizada é explorada e recebe menos do que o necessário para suas necessidades básicas. Não é difícil pensar qual o caminho, é preciso coragem! 

"Beleza" - Renê Paulauskas

 A beleza é a prova mais cabal da nossa animalidade. Quando achamos uma pessoa bonita estamos sendo guiados pelos instintos mais antigos de perpetuação e preservação da espécie. Somos submetidos a esses instintos estéticos sem nos darmos conta, e acreditamos piamente que somos diferentes dos outros animais. Não sugiro fugir de tais impulsos, mas perceber que existem coisas importantes do que os mesmos. A empatia, a isonomia junto a solidariedade são, sem dúvida, muito mais importantes que a estética.

Além- Renê Paulauskas

 Tentei abandonar a arte, fiquei mal humorado. A arte me faz falta, é como um respiro, uma clareira. Talvez nunca seja um artista reconhecido, e isso é penoso, mas não posso deixar de produzir as coisas que dão sentido ao meu mundo. Se outros compartilharem dos seus significados, isso não cabe a mim. Continuarei buscando nas frestas um sentido pra respirar. Se o mundo se beneficiará, isso é coisa do mundo, falo das coisas além.

Cadeia alimentar- Renê Paulauskas

 Bilionários influenciam políticos que influenciam o povo que influencia seus bichos domesticados que matam pequenos bichos sem donos. Para quem não vê o poder, tudo é invisível, só se vê o animal. Como uma cadeia alimentar onde os mais ricos tem mais poder sobre os outros que exercem poder sobre outros mais pobres até chegar aqueles que não tem direito nenhum se não ser sobreviver. Mundo esse onde um tem mais poder do que milhões, mesmo com corpos tão parecidos. Não há diferença entre pessoas da mesma espécie que possa sustentar tais diferenças a não ser numa abstração tão engenhosa como é esse sistema de poder. Onde as polícias e os exércitos servem a essa lógica milenar. Onde cada um dentro dessa sinistra cadeia adula os de cima e critica os de baixo sempre querendo acender socialmente.  Com pouca crítica  e uma inércia fomentada por discursos ora liberais, que pregam a competitividade entre eles, ora de meritocracia, para se sentirem no seu lugar de privilégio. Tal absurdo não é ób

Zé Preto (conto) - Renê Paulauskas

 Jaime Oliveira Santos, também conhecido como Zé Preto, trabalhava como telemarketing de cobrança na capital. Fazia tudo para conseguir chegar a meta do fim de mês, mas dava desconto sempre pra um ou outro aposentado pobre com que se apiedava. Tinha parado de beber. Só trabalhava o pobre diabo, seis por um, na sua folga ia pra praça com seu amigo. Ficava quieto, apenas via o por do sol.  Até o dia em que foi desligado da empresa para não registrarem sua carteira. Zé Preto foi pra praça. Nada descia, nada falava. Seu mundo caia. Foi aí que tomou um gole, um copo, uma garrafa de cachaça. Se transformou... Virou malandro, jogador de capoeira, o famoso comigo ninguém pode. Seus pés deslizavam no ar feito folhas secas pelo vento. Ria um riso louco com olhos arregalados. Falava com todos, de todos era amigo. Quando passava a euforia, dormia, acordava fraco. Começou a gastar o que não podia. A não voltar pra casa da tia. Mas sempre, dias depois, se arrependia. Zé Preto sofria. Passava os dias

Mini celular chinês- Renê Paulauskas

 Ontem meu celular pifou. Nem tinha pifado ainda, só precisava repor o chip, mas estava tão nervoso que quebrei o mini celular chinês sem querer. No dia seguinte tentei por o chip em outros dois, parados aqui sem uso. Nada. Depois de desistir vi o por do sol e pensei ficar uns dias sem celular nenhum. Depois de uma hora, a falta de um celular. De me comunicar com o mundo. Que mundo? Que quase ninguém se comunica comigo, que nunca tive trabalho formal. Realmente acho uma ótima oportunidade para me desintoxicar.  

Medos- Renê Paulauskas

 A idade foi me fazendo medroso. Medo do carro parar, medo de pessoas estranhas, medo de ser feliz. Lembro quando, aos 29 anos, viajando de avião pro Rio de Janeiro, o avião passando rente ao mar e eu calmamente pegando minha mochilinha com documentos, pronto para sair de lá nadando caso fosse preciso. Hoje tudo é mais difícil. Sair pra rua, viajar, se arriscar. Mas corajoso não é aquele que não tem medos, é aquele que mesmo com medos os enfrenta, é isso que em parte estou tentando agora.

Artista Palco- Renê Paulauskas

 O artista de cabelos brancos pintados de azul parece eterno. A eletricidade vem de seus pés tortos, subindo até as mão onde se mistura com sua guitarra em transe. Se pronuncia a emergência do gesto, em harmonia com todo resto. Si bemol ululante, até romper a sexta corda. Improvisa com a quinta e sétima sem quase se notar. O artista palco, talco, tal como um fato. Palmas! Palmas, nos incitando a criar, a sentir, a amar.

Lázaro- Renê Paulauskas

O trabalho de um cineasta começa quando o filme termina. Divulgar e distribuir o filme é a parte mais trabalhosa e, porque não, chata. Vejo pessoas como minha irmã, atriz, trabalhar com produção de outras peças e a admiro. Meus pés não estão presos no chão como os dela. P ercebo, que no meu caso, trabalhar seria, procurar agencias de eventos como caricaturista, editoras como ilustrador, concursos literários como escritor e bandas como compositor. Esse trabalho que não faço e que é preciso fazer. Ou será meu fim, produzir sem ninguém saber.

Intenso- Renê Paulauskas

 A juventude foi intensa. A cena da mãe grávida da minha filha ameaçando se jogar de cima de uma janela do nosso apartamento por ciúmes sem motivo. Meus primeiro surto agressivo de bipolaridade depois de dois anos ela me contar que tinha ficado com um trompetista da banda.O termino de uma amizade por termos, eu e um amigo, tido um relacionamento com a mesma mulher casada, cinco anos depois. A  morte de meu pai por câncer, anos após termos saído na mão por ele sempre me tratar mal. A morte de um dos meus melhores amigos após parar de usar remédios que controlavam sua esquizofrenia. A derrota depois de mais velho numa briga com um amigo dez anos mais novo.  Se hoje estou calmo, sereno, tranquilo, não foi por falta de ter vivido. Minhas cicatrizes, minha história, fatos que, na marra, me colocaram na linha, sabendo os perigos em cada esquina. Hoje me refujo nesta casa tranquila, que também tem histórias intensas, mas passa por seu momento mais calmo. Me refujo em pessoas serenas, tranquil

Alguém (filosófico) - Renê Paulauskas

 Eu sobrevoo o reino das aparências. Neste lugar o belo esconde o feio, o feio esconde o belo, quando não o feio e o belo de fato é. Vejo máscaras, do cinema ao escritório, do trabalho à família. Eu queria mergulhar no reino das profundezas, onde de dentro se consegue ver. Onde se escondem os mais belos pássaros e também os demônios. Mas a educação me ensina a esperar e dar ao tempo a descobertura das camadas que nos protegem do mundo. Por isso demora tanto para se conhecer alguém. 

''Talento''- Renê Paulauskas

 O talento profissional não se restringe a técnica, mas um conjunto de coisas como: técnica, traquejo social, oportunidades, capital financeiro, capital social, estratégia comercial, estratégia de marketing etc. Então, se você não decolou, como eu, não se culpe, o mundo é muito mais complexo do que seu ''talento''. Mas continue com sua arte, ela nos dá força para continuar nesse mundo tão sinistro e kafkaniano.

Ideia torta- Renê Paulauskas

 Fui contaminado por uma ideia torta, me salvem! Dessas engenhosas que tudo abarcam. Dessas que envergam a alma. Mas não era uma fake news, era algo que eu mesmo inventei. Não declamo nas ruas ou entre colegas, sei que é uma ideia torta, que me envergou a alma, mas uma ideia que grudou em mim como uma cola. Uma cola negra como petróleo. Negra como a bomba de Hiroshima. Negra como é perversa a alma humana. Como a fantasia negra do Homem Aranha 3. Agora escrevendo, está se diluindo. Como é bom escrever. Como somos levados por elas, as ideias. E se não as limpamos, que horror! Somos seres totalmente irracionais, digo, na maior parte do tempo.

Desabafo- Renê Paulauskas

 Vocês que não queiram fazer inveja com seus carrões, queremos caminhar, não andar pra trás. Que não tentem vender com propaganda de margarina que comemos manteiga, e de garrafa! Sem esteriótipos de olhos azuis, que somos negros, índios e mestiços. Queremos rios e um mar limpos para brincar, se banhar e velejar. Queremos um mundo, mas que seja inteiro, de verdade, como nós. Para viver sem sermos explorados por vocês, que nada disso querem, que nada disso veem valor. Porque não somos europeus, somos brasileiros, com mais orgulho do que vós, que não são nada, nem aqui nem lá. São só o preconceito, o mesmo do qual não percebem, são vítimas. Fiquem ricos logo, tirem seus passaportes, não voltem mais! Esse Brasil é nosso, dos que ficam, seu povo, sua terra. Aliados estrangeiros, temos aos montes, milhões já viraram brasileiros, são nosso povo que se integrou, do português ao japonês, do árabe ao judeu, são nosso povo, pouco ligo se viajam para fora, é seu direito, ser livre. Digo sim dos qu

Bilionários e o fim do mundo- Renê Paulauskas

 Assim como a ecologia, popularizada nos anos 70, hoje mobiliza políticas públicas, como a de crédito de carbono, se baseando no conceito de sistema fechado integrado e consequente fim do seu equilíbrio pelo capitalismo desenfreado, existe nesse panorama uma também co-dependência entre a espécie humana. Esse equilíbrio é quebrado pelo capitalismo financeiro, aumentando a rentabilidade de bilionários que preferem quebrar empresas onde trabalham milhões, transferindo seus capitais para ações mais rentáveis. A falta de responsabilização desses bilionários por seus empregados, gera um desequilíbrio social e ecológico enorme. Enquanto os mais ricos não tiverem nenhuma responsabilidade social, assim como, ecológica, estaremos sempre perto do fim do mundo.

Lutar- Renê Paulauskas

 Até quando teremos que lutar? Lutar contra o destino, contra as injustiças, para estar vivo. Até quando, filhos e netos, novas gerações. Enquanto dezenas controlam a vida de milhões, esses gananciosos psicopatas que herdaram o mundo. Esses que tem nas mãos, mais vidas do que linhagens, para eles sem valia, nossas vidas nas suas mãos. Esses que nem mais da mais valia dependem de nós. Só de copiosas quantias que não param de render. Que mundo esse abstrato. Que o valor não mais na produção, mas nas valorizações das ações. Que mundo esse onde Karl Marx talvez achasse uma saída, se fosse vivo nesta hera perdida. 

Série: Monkeys- Renê Paulauskas

Imagem
 

Garimpeiro (filosófico) - Renê Paulauskas

 Mira, eu sei. Mas mira errado. Olha o céu e as estrelas, mas não olha do lado. Tenta alcançar o improvável, com sede de conquistar, mas não vê onde está. Se miraste tua flecha no macaco mais próximo para somente te alimentar, estaria certo, como um índio. O mesmo que divide seu afeto com outros bichos. Mas quer engolir o céu! Teu desejo é maior que sua boca. E enfim tu te torna mais um em um bilhão, de escravos de suas bocas famintas cheias de solidão. Mas foi o ouro, me diz, tua primeira perdição? Ou já olhava torto nas matas sonhando com arranha-céus? Ou a sede do ''progresso'' que tem por origem uma evolução tão falaciosa como tantas do homem branco. Quando? Quando rompeste a tradição de viver em harmonia com seus ancestrais? Mas, não te julgo como homem, que se perde em fantasias e delírios, que sim, nos engolem por dentro, dentro de sonhos tão lindos como os comerciais mais belos de margarina. Mira, eu sei, mas não viste tua aldeia ser estuprada? Teus iguais, cont

Encontros e desencontros- Renê Paulauskas

 Me fecho no silêncio das palavras. O mar está forte hoje, levado pelas correntezas. Hoje conversei com uma pessoa que vi cantando à capela uma música de sua autoria na TV. Era um samba, que lembrava os grandes sambas da velha guarda, mandei uma mensagem à ela no Instagram, ela agradeceu. Hoje está assim, tudo mais acessível, e líquido. Dos últimos contatos que fiz, quase nenhum vingou, me limito aos contatos do whatsaap, que são poucos, mas necessários. De pessoas que de alguma forma fazem parte da minha vida. Mas como disse o poeta: A vida é a arte do encontro, embora hajam tantos desencontros.   

Delírio na passeata- Renê Paulauskas

 Ele estava andando na rua quando avistou uma multidão. Era uma passeata em favor da democracia. Foi chegando mais perto, avistou o Lula, que olhou no sentido dele e disse: ''Tudo isso que estamos fazendo é por você.''. O Homem sentiu um frio em suas pernas, os remédios controlados pareciam parar de funcionar. Pensava: "Seria eu o sentido de tudo, e ao mesmo tempo, tudo seria falso?" Caminhou contrário a multidão olhando pro chão. Vez ou outra sentia que estavam falando dele, nas referencias de filmes, alguns programas de TV. Tomava remédios fortíssimos para que essas impressões não o desvirtuasse da realidade. Mas por mais que estivesse bem ultimamente, aquela tarde deixou dúvidas mais uma vez. Chegou em casa, sua mãe tinha saído, a casa estava vazia. Teve medo de surtar. De ser amarrado mais uma vez na cama depois de tomar um "sossega leão" no Pronto Socorro Psiquiátrico e ter que tomar aqueles outros remédios que travavam sua fala e movimentos. Qu

Tortura- Renê Paulauskas

´´Não tenho ar, o ar não chega...´´ Essas eram as palavras de Roberto, que se achava sortudo num mundo ingrato, agora se dava conta que sua dor o cavava por dentro a ponto de o sufocar. Morreu naquela tarde quando os policiais à paisana levaram-no de sua casa. Voltou duas semanas depois morto. Morto-vivo. Sem pés, sem mundo, sem chão. Não confiava mais em ninguém, mas pensava. E como pensava, existia.  Das paredes descascadas, começou a enxergar seres. Dos ruídos de madrugada, música. Escrevia o que passou a brotar. Foi povoando seu deserto como pode. Foram dias, meses, anos e até que ficou um mundo habitável, onde ele escolhia pessoas a dedo para habitarem junto com ele. Começou a trabalhar com arte, fez vários colegas, alguns amigos. Namorou uma musicista, que depois de um ano e meio engravidou e foram morar juntos. Foi um ótimo pai. Separou, conheceu outras mulheres...  Mas naquela noite não conseguia dormir. Aquela sala, aquele dia... Aquele choro, aquela noite... Nunca saiu dele.

Chipanzés (micro-conto) - Renê Paulauskas

Vivia entre aqueles que pouco lhe davam e aqueles que escolhia por perceber neles frutos ainda não experimentados. Pouco saia, vivia mais em casa, adorava televisão. Trabalhava pouco, muito pouco mais recentemente. Gostava de viajar, mesmo que fosse dentro da própria cidade. Conhecer pessoas novas, novas conversas, era um festeiro. Envelhecia a cada ano, se achando cada vez mais sem sorte com saudade da juventude. Antes um otimista, agora na meia idade, inclinava-se a um realismo baseado na descoberta recente do maligno aspecto da espécie humana de um modo geral. Pensava, às vezes demais. Meditava, também. Via beleza nos pássaros que frequentavam seu pequeno jardim, nos frutos doces de suas árvores, nas crianças de modo geral...  Se sentia mais fraco que o mundo, mas se fortalecia escrevendo e compondo músicas. Era evidente que este mundo estivera sempre do lado errado. Do lado da força, do poder, do dinheiro, da ganância. Mas o que deixava seus pesadelos mais vivos, era a percepção qu

Existe! Renê Paulauskas

 Sim, existem limites. Mas quero quebra-los. Dentro e fora de mim. Correntes que sinto, correntes que prendem. Sim, existe um caminho. De se transportar pro outro. O caminho da troca. O contato estabelecido se espalha. Existe o mundo. Mas ele gira, mais rápido do que podemos acompanhar.  Existe o sonho também. Outro guia pra nos levar.

Quase avatares (conto) - Renê Paulauskas

 Os dois largaram seus avatares de lado depois de quase um ano de interações via meta-verso e foram se conhecer pessoalmente.  Tiveram um susto inicialmente, mas logo se reconheceram pelos mesmos gostos e vontades explícitos em conversas e jogos pela rede. Começaram a beber naquela tarde de domingo, deram uns tragos num cigarro de maconha, a conversa deslanchou como um rio que se inicia raso e termina caudaloso já lá pelas tantas.  Ele levantou para se despedir, ela disse: "Fica!" L he roubando um beijo. Foram subindo as escadas em meio a beijos e apertos até chegarem num quarto pequeno.  Tiraram suas roupas num alvoroço e pela primeira vez viram  seus corpos nus. Ele, antes um avatar alto e musculoso, um corpo magro e delicado. Ela, grande e robusta, já não precisava ser linda e magra, segurando o corpo dele com vontade, sentindo sua epiderme que arrepiava.  O  rapaz, virgem, pelo menos de relações reais, ofegante e animado, até ela perder o controle e arranhar suas costas,

celular novo- Renê Paulauskas

Minha mãe comprou pra mim um celular novo, o velho não funcionava mais. Ele é tão pequeno que é impossível escrever nele, por isso hoje, escrevo aqui no computador. Acho que vai ser bom começar a escrever aqui, mais profissional. E o celular, esquenta e descarrega em poucos minutos de uso, só vou usar em extrema necessidade.  

Homo Óculos - Renê Paulauskas

Nossa espécie, depois do advento do smartphone, deveria passar de homosapiens sapiens para homo óculos, do tanto tempo que passamos vendo coisas no celular. Distrações, coisas inúteis, e todo um mercado estratégico para essa demanda.

Desgovernado- Renê Paulauskas

Os mesmos trilhos, a mesma estrutura, trem desgovernado. Corpos sãos, mente não. Se exprime a visão realidade. Anjos, Deuses, coabitam a materialidade da carne. Tem que fingir que só vê o chão.

capitalista- Renê Paulauskas

Para ser um capitalista comece não dividindo o que é seu com ninguém. Segundo, transforme tudo a sua volta em dinheiro. Terceiro, gasta o mínimo e acumule o máximo. Certamente terá uma vida infeliz. Talvez no último suspiro pense em fazer tudo diferente. Mas será o que essa burrice te levou.

Portas- Renê Paulauskas

Só fecho portas quando não há mais o que se fazer. Quando cortaram o diálogo, quando, em outras palavras, já fecharam a porta. Então fico sozinho, lambendo minhas feridas, até sair de novo. O mundo é essa constante renovação. Dolorosa, mas essencial.

Pessoa errada- Renê Paulauskas

Era a pessoa, a pessoa errada. Cobria um vazio no aspecto social, mas era torta, desprezível, não condizia com seu lugar do lado dos outros. Não tinha empatia, era incapaz de reconhecer seus erros, mais ainda de pedir desculpas. Era um erro. Melhor um espaço vazio que algo que a gente se arrependa.

Compulsão - Renê Paulauskas

Fico aqui escrevendo há dez anos só nesse blogue, esperando que a arte se concretize, que tenha um sentido. Mas me deparo com o risco de ter tudo apagado ou nem ser lido. Como uma compulsão que morre com seu doente. É preciso correr atrás, é preciso mais.

Tempo livre- Renê Paulauskas

O que fazer com o tempo livre, é fácil quando se está bem acompanhado, seja um amigo ou uma paquera, mas o que fazer quando se está sozinho. Vejo muita TV, como, caminho, às vezes leio, escrevo e até faço umas musiquinhas... Ainda assim sobra tempo livre. Acho que eu estou precisando trabalhar.

Família - Renê Paulauskas

Matei meu pai, fui morar com a minha mãe, virei mãe da minha filha e amigo da minha irmã.

Ratoeira- Renê Paulauskas

 Ratoeira, modo horrível de matar um ser vivo. O induzindo pela fome a pegar um pedado de queijo é pego e esmagado sem dó. Gatos são mais eficientes, também levados pela fome, matam dentro de sua cadeia alimentar, não como nós, que matamos tudo a volta só para nos sentirmos limpos.

Riso- Renê Paulauskas

 A flor do seu abraço. Ar fresco. Distração, tempo voa. Frutas, novidade. Riso, coração. Renovado.

Ventilador - Renê Paulauskas

 Um ventilador, o tempo Uma formiga atravessa A lua cheia, preguiça  O rio negro desaparece

Churrascaria-Renê Paulauskas

 Depois de estar há quase dez anos trabalhando como caricaturista fui contratado por uma empresa de telefonia para fazer eventos em congressos e hotéis por quase todo o país por seis meses. Estava eu com vinte e nove anos. Ficava nos melhores hotéis, comia a comida mais cara, cheguei a ficar até com problemas dentais de tanto frequentar as churrascarias de cada cidade onde ficava hospedado.  Quando terminou o trabalho quis levar minha família também numa churrascaria. Pegamos o carro, minha mãe, minha avó, minha irmã e eu e começamos a rodar pelos arredores aqui da Lapa em São Paulo. Entramos em uma, sentamos. Mas fiquei meio descontente por não ser uma churrascaria do padrão das que havia comido Brasil a fora. Foi então que minha avó olhou pra mim e disse: ''O Renê tem uma cara de pobre''. E todos rimos, não só da pérola dita por minha vó, como da situação. 

Paredes descascadas- Renê Paulauskas

 Canos de vassoura, baldes velhos com coisas pra jogar fora, rachaduras no chão. Essas coisas acho que aparecem na maioria das casas pobres, sempre que as encontro percebo que estou numa. Nós pobres não perdemos tempo olhando essas coisas. Tem coisas que até arrumamos, como jogar o balde de coisas velhas no lixo ou até comprar vassouras novas, mas algo como a rachadura do chão é mais difícil de tapar.  A primeira vez que tentei impedir alguém de ver a situação da minha casa, era criança. O chão da cozinha estava caindo, as paredes criavam desenhos através de várias camadas de tinta descascadas.  A segunda foi com uma colega de faculdade, que depois de muito insistir, ao ver a goteira interminável da varanda como infiltração, não quis entrar. Depois reformamos, ficando apenas uma terna rachadura no piso da cozinha, para nunca esquecermos quem somos e nos diferenciar de todos aqueles que não queiram se misturar com pessoas como nós, que vêem imagens de coisas, como seres e figuras em par

Vozes- Renê Paulauskas

 Uma voz sem voz, uma voz marginal. Como a dos negros, dos pobres, dos doentes mentais. Que dizem coisas, dores, que ninguém quer ouvir. Que os brancos, bem nascidos, racionais não querem escutar. Esses mesmos que são racistas, exploradores e normais. Desumanos e imorais.

Fama - Renê Paulauskas

 Moscas. Devem ser moscas o que aparece depois de se fazer sucesso, milhões delas. São olhares fixos, espantados e pessoas prontas para arrancar pedaços.

Pastel- Renê Paulauskas

 Algo acontece quando se vai  chegando numa certa idade. As roupas são cada vez mais discretas, como se fossem perdendo a cor e sua voz antiga, a da juventude. Dão lugar a um pastel pálido e sem vida. Mas o pior não é a roupa, é a falta de vida que vestimos como se fosse natural. Com o tempo a perda da juventude, da beleza se juntam a uma vida apagada e sem graça.

Refúgio - Renê Paulauskas

 Era muito quieto, muito calado. Andava olhando pro chão. Até que floresceu violento, rindo, falador. Mais forte, confiante, vivo! E assim namorou mulheres, viajou sua terra, fez amigos. Agora, vinte anos depois, estava só. Já não tinha a mesma força nem autoconfiança. Queria um refúgio tranquilo, sem precisar brigar. 

Fugiu- Renê Paulauskas

 A poesia fugiu Calou as bocas das pessoas  Mal o sol nascia já era noite A lua subia já era dia Algo nascia e morria Velho se era desde novo Novo também mesmo velho  Mas sem memória  Assim nem velho nem novo Tudo se era sem nada ser A flor abria e já fechava A lua nova, a lua velha Nada se escrevia Pois nada importava Nem rimava  O rio tudo levava O vento que dispersava O nada tudo esbarrava  E nesse silêncio  Morri a vida.

Pombas! - Renê Paulauskas

 Cansado de jogar no lixo tantos corpos de pombas mortas pelo gato do vizinho. Maldito gato! E deixa sempre nos mesmos lugares, já acostumado a matá-las na minha casa.

Então - Renê Paulauskas

 Eu só queria sair um pouco, mas a chuva não deixou. Pensei, não sou feito de açúcar, posso ficar num lugar fechado, ver um pouco de gente, mas a pandemia não deixou. Então fico só em casa, que pelo menos chova, então! 

Mergulho- Renê Paulauskas

 Mergulhai na onda do desatino, verás como é profundo. Driblai a loucura maligna, essa que te acorrenta. Sede são sempre, mas não nega o tesouro que encontrou.

Sofá- Renê Paulauskas

 Domingo, desaguo no sofá junto a chuva lá de fora. Não, amanhã não vou trabalhar. Quando trabalhava era feliz. Primeiro como assistente, depois desenhando tantas caras diferentes. Era a vida. E sobrou isso. O velho sofá.

Trauma- Renê Paulauskas

 O trauma, a ferida encoberta, repousa na tarde de verão. Lusco fusco relaxa meus ombros. Tudo há de passar. E somente a tarde e suas luzes hão de ficar.

Conflito - Renê Paulauskas

 Conflitos, que nos tiram a vóz, quando não nos fazem gritar. Decai o mundo nas nossas costas, traídos e incompreendidos. Aflição na pele que paralisa. Rompimento de acordo por um decreto. Fagulha de desespero engolido. Conflito, algo não resolvido, as vezes nem relatado. Aflito, sumo no mundo, meu mundo escondido.

Sidarta- Renê Paulauskas

 Sidarta, filho do rei, fugiu de seu palácio. Do lado de fora encontrou a fome, a miséria, a dor, física e espiritual. Achou ele na prática da meditação e do desapego o caminho do meio. ''Sidarta, não é possível meditar com fome. Não é possível praticar o desapego quando se falta o básico. Não é possível o equilíbrio quando se está sofrendo de dor.'' Portanto só se consegue o equilíbrio combatendo a fome, a miséria, e as dores físicas e espirituais pra depois, se quiser, meditar.